domingo, 15 de agosto de 2010

UnhiCulto 2/4

2. Antropologia da Unha.
Um clássico revisitado | Fonte

Já houve quem tratasse das unhas como uma questão filosófica. O francês Xavier Bichat (1771-1802) afirmou, segundo relato do médico e escritor Nicolas Postel-Vinay, que a unha é um “singular espaço anatômico que se presta a uma leitura filosófica”. Seu tratado Anatomia Geral estava permeado por uma filosofia vitalista, que tentava compreender os limites da vida e da morte. Para Bichat, por estarem situadas nas extremidades do corpo, as unhas representavam os limites entre a civilização e a selvageria, entre o humano e o animal. Seguindo por uma reflexão sociológica, Xavier mostra também que as unhas estão inseridas em um contexto social, mostrando parte da personalidade das pessoas, quando diz “unha bem polida e bem cuidada, marca de decoro; unha em forma de garra, marca da animalidade”.

Tamanho fascínio pelas unhas não é apenas um preciosismo de um pensador amalucado. Há muito tempo existe uma grande quantidade de crendices em torno deste espaço anatômico singular.

Em toda Europa, a esperança de cura de para um doente febril estava em enterrar restos de unha em uma encruzilhada, de preferência pela noite. Na Alemanha, para combater problemas de estômago bastava enterrar sobre uma goteira 20 pedaços de unhas das mãos e pés do doente. No sul da França, ingeria-se pó de unha para desaparecerem náuseas e vômitos.

As unhas também eram poderosos instrumentos de sedução, presentes nas poções e nos rituais de amor. Para que uma poção do amor fosse eficaz, era indispensável a presença de pedaços das unhas do amado – para que fossem ainda mais eficazes, as poções deveriam ser preparadas às sextas-feiras, dia da deusa romana do amor, Vênus. As anglo-saxãs acreditavam que para enamorar um homem bastava fazê-lo ingerir uma colher de pedaços de unha em alguma bebida, sem que o alvo soubesse do artifício. E desde a Idade Média as moças carregavam as unhas de seus amados como amuletos, para “amarrá-los” no casamento. Como complemento, as mulheres da antiguidade também embelezavam as unhas. As moças poliam-nas com uma fina poeira abrasiva, geralmente pedra-pomes, e as cobriam com pigmentos diversos, como hena, usada principalmente no antigo Egito.

Mas o cuidado das unhas não podia ser feito em qualquer dia ou lugar. Na Holanda, cuidar das unhas às sextas-feiras trazia doenças; na Dinamarca, aparar as unhas aos domingos era certeza de aborrecimentos futuros. Os portugueses não cortavam as unhas nos sábados, pois o dia era reservado para que o demônio cuidasse das unhas. Na França, cortá-las nos dias que continham “R” em sua escrita (mardi/terça-feira, mercredi/quarta-feira, vendredi/sexta-feira) trazia infortúnios. E em toda a Europa era proibido cuidar das unhas em alto mar, para não atrair tempestades.
Vemos as unhas longas nas mãos desta nobre chinesa | Fonte

Esta atenção com as unhas acabou passando também para a esfera social, sendo estas usadas como forma de distinção e status. Montesquieu observou em sua obra O Espírito das Leis que “há vários lugares na Terra em que se deixa crescer as unhas para sinalizar que não se trabalha”. E existiam mesmo. Na China, os mandarins exibiam suas longas unhas para demonstrar sua ociosidade, afirmando, assim, que não precisavam trabalhar nos arrozais para sobreviver. Em 1964, no Egito, especificamente na acrópole de Saqqarah, foram descobertas as tumbas de Niânkhkhnoum e Khnoumhotep, que viveram na V dinastia do antigo império, em 2400 a.C. Os dois irmãos eram encarregados de cuidar exclusivamente das manicures do faraó, evidenciando há quanto tempo as unhas são objetos de cuidados especiais.

Ligadas a emoções fortes como paixão e medo, símbolos de status e grandeza, objetos de reflexão filosófica. As unhas – não os esmaltes – são destaque na vida das mulheres (e dos homens) há muito tempo. Então vamos alargar nossas percepções sobre o que pode ser feito para embelezar as consumidoras, além de espalhar tinta sobre a ponta dos dedos.
Quarta-feira, 18/10, O Glamour na Ponta de Seus Dedos

Nenhum comentário:

Postar um comentário